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Ninguém espera que os cavaleiros da Távola Redonda, deixados à solta na Lisboa dos nossos dias, sejam capazes de encontrar o Santo Graal com as mesmas facilidades que encontravam nas florestas encantadas da Pequena e da Grande-Bretanha. É certo que existe mar à porta e que abunda a sordidez moral, mas há obstáculos, há lacunas, há peças em falta. Os tempos são outros, em suma. O Conto faz aquilo que pode: descreve tudo com minúcia, incluindo os actos de coragem, o amor imenso entre a rainha e Lancelot, as contradições e as redundâncias. O sistema de transportes públicos da Margem Sul não sai incólume.

— Lancelot está a par de tudo, mas o conto ainda não nos diz se isso será suficiente para poupar o reino de Logres ao descalabro. Por enquanto, Mordret viu‑se forçado a protelar o seu plano. Para não dar nas vistas, achou por bem assumir um perfil baixo e mostra‑se humilde e sensato em todas as ocasiões. Passa o seu tempo a observar comboios e a conversar com a dona da pensão onde está alojado. A boa senhora cede sem resistência ao seu encanto e às suas boas maneiras. Gaba-lhe a rapidez com que se adaptou aos costumes de Lisboa e, bem lá no seu íntimo, acha-o “um jeitoso” e não desdenharia tê-lo como genro.

Relógio d'Água, 2017, ISBN 978-989-641-802-1

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