Estes contos são povoados por gente que se incompatibilizou com uma ou mais cores, seja por motivos orgânicos ou por razões de princípio. As diferentes variedades de aversão e repúdio dão origem a padrões de comportamento indistinguíveis: o colapso, a apreensão, a obsessão, a fuga para a frente, são desoladoramente comuns. Sobressai a impressão de que a arte contemporânea, sobretudo aquela que atribui a primazia às manifestações cromáticas puras e alheias a fronteiras e limites, pode ser uma conspiração contra o bom gosto e contra o bom senso. E que culpa tem disto o cidadão comum?
(…) continuarei a usufruir desta linha de visão que me permite abarcar ao mesmo tempo o J, a gentil alquimista dos púrpuras e índigos e a pintura abstracta que absorve a sua atenção. Aprenderei a ignorar a presença da nossa chefe, que por sua vez nos vê a todos e que tem acesso a fontes de informação. Quando penso na nossa chefe sinto mais solidariedade do que temor. Tal como nós, ela está limitada aos ecrãs de computador e à litografia. Quando o pigmento, que afinal é a razão de ser de tudo isto, for criado, será num laboratório onde nunca entraremos e por meio de processos tão exóticos para nós como os sagrados ritos de embalsamamento do Egipto antigo. Essa cor, lancinante e redentora, não será para os nossos olhos. (Do conto “Indigofera tinctoria”.)
Relógio d'Água, 2019, ISBN 978-989-641-909-7